O trapper freestyle Matuê e nossos jovens

Bettyna Gau Beni
Consultora e cofundadora da Evoluigi

Vibrei quando meu filho adolescente me convidou para ouvir o som de Matuê, o trapper freestayle cearense que é sucesso entre muitos jovens. Afinal, acredito que quando os filhos querem conversar com os pais é porque nos mostramos abertos a isso, sinal de confiança, e principalmente uma oportunidade de nos mantermos conectados a eles.

Amei o som. De verdade. O trap é um rap eletrônico mais arrastado e com batidas graves. É uma viagem fechar os olhos e deixar a música entrar. Me fez lembrar do som em 8D.

Bom, minha alegria durou somente até eu prestar atenção nas letras, muito sombrias e falando de drogas como algo rotineiro na vida das pessoas, como que um entorpecente necessário para lidar com as dificuldades e, no meu entendimento do que ouvi, como uma forma importante de buscar a felicidade.

Só não fiquei mais assustada porque, segundo meu marido, meu filho é “cabeça”. E ele deve ter mesmo percebido a minha cara porque já foi logo dizendo: “Mãe, viaja na música. Esquece a letra. Eu mesmo, quando presto atenção na letra, não curto tanto o som.”

Felizmente temos a oportunidade de conversar frequentemente, de forma aberta, clara, franca. E ele é mesmo “cabeça feita”. Uma figurinha da geração Z que é absolutamente sem preconceitos, não se enquadra em nenhum rótulo e respeita tudo e todos. Então, melhor do que muitos de nós, adultos que nos julgamos sábios, ele sabe literalmente separar as coisas: uma música da sua letra, por exemplo. Admiro toda a sabedoria do alto dos seus 14 anos.

Aprendo muito!

Mas, e se ele não fosse “cabeça”, como muitos dos jovens que não tem a oportunidade, e nem muitas vezes a vontade, de conversar com seus pais, amigos e colegas? Ou que não tem abertura para mostrar uma simples música que gostam por medo de serem julgados?

Ou se, pior ainda, forem jovens que entendem que Mautê é um ídolo também pelo conteúdo e não somente pela forma, e seguem o que ele canta como algo verdadeiro, possível e até mesmo algo a ser perseguido, como um sonho de consumo?

Fica a reflexão sobre o que nossos jovens estão vendo e ouvindo mas, acima de tudo, o quanto estamos dando voz a eles, para que efetivamente possamos conhecer o seu modo de pensar e agir, escutando-os ativamente para entendê-los e até contra-argumentar?

O quanto nós temos responsabilidade sobre os caminhos que eles escolhem? Acredito, do fundo do meu coração, que nós, pais, temos que nos tornar desnecessários ao longo da vida de nossos filhos.

E, como a teoria do “O Corpo Explica” traz, desnecessário não é sinônimo de inexistente, mas tão somente significa que cumprimos bem o nosso papel, criando, desenvolvendo e dando o suporte necessário para que filhos “cabeça” saiam pelo mundo com a liberdade, capacidade e vontade de cumprirem o seu papel.

Isso faz sentido ou literalmente viajei no pensamento assim como viajei no som desse trapper freestyle?

*Freestyle porque o estilo dele é livre e rótulos não o definem.

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